aquele cheiro de suor
ainda se nota pelo incômodo
e apenas hoje, dois anos passados em sono profundo
os mosquitos que nasceram no meu cômodo
criaram asa,
e finalmente me picaram
para lembrar o vício bom
de ser profano, de ser inadequado, de ser às vezes bastante violento
um pouco frágil, rouco, melado
e também sanguinolento
a autópsia de um animal, que ora revela as partes moles de si mesmo
Imagem: Henry Solomon Wellcome. Pen drawing by F. Reynolds. Wellcome Collection. Public Domain
II
deitados e nus,
eu e você
vamos ao mar de mãos atadas
descrentes e vis,
de punhos fechados
contra a palavra
artistas entre cordas de Shibari, ou
suspensos
pelos anéis de compromisso, ou
prostrados, como um pedido que se nota
aos pés da virgem cansada
vamos morrer numa gozada
vamos morrer de uma vez só
fartos de mim, empanzinados de você, farejando o que gente ainda almeja saber
diante do altar
ou de uma cama barata, que eu já não posso mais lembrar
(mas confesso que me lembro)
vamos morrer de mãos em riste
vamos morrer de gozação
‘até que a morte nos separe’
até fundirmos de calor
até que a santíssima dor
dê um jeito em nossa sina
que lhe entregamos sem fervor
você ri
eu, rio
a liberdade daquele mosquito
assolando o nosso martírio
é a vontade de ser mais
do que a fonte do zumbido
III
mas ela
a rapidez com que despenca
braço estendido sobre o chão
sonhava ser Nova Iorquina, morreu no centro de São Paulo
sonhava ser a nova Helena
mas pereceu dentro do mar
cortinas fechadas
no chão do teatro
não soube voar
IV
prostrada em balasana
tão cedo de manhã
a sua pele salgada
e as costas tão coradas
que muriçoca não picava
(pois tinha medo da prisão)
mas de tardinha, o sol desceu
a liberdade cantou
a raquete brandiu
e o zum zum silenciou
contra a raquetada,
são 7 anos de azar
(foi o que deram para os anjos
os que caíram pelo medo)
contra a trepada,
são 7 anos sem transar
(ou, nem caíram,
viveram).